19.9.10

Camiseta vermelha

Ano de 1977. Ou algo em torno disto. A garota tomou coragem e vestiu a camiseta vermelha. Era um vermelho fechado. Na verdade, magenta. Vermelho é uma cor esquisita. Chama muito a atenção. Os olhos focam. Se tiver algum verde por perto, então. Mas aí é bandeira de Portugal, e por este caminho iria para outra história.


OK! Ano de 1977. A garota de camiseta vermelha sai de casa e percebe algo interessante: é só mais uma camiseta colorida. Vermelha. Mais uma, apenas. Então tudo vai bem. Dia iluminado, carros apressados, ônibus lotados. Tudo nos conformes.


Dias esquisitos aqueles. Todos obrigados a entregar a ficha completa. Ao porteiro. Tempo de muita desconfiança com porteiros. Vigilantes? Vigias? Ou ratos?


"Rendam-se terráqueos", diz o baloon de dentro da nave alienígena. E o terráqueo esperto transformou tudo em anúncio de batatas fritas industrializadas. O prédio ficou mais colorido. Contraponto à zona cinzenta das portarias.


De volta às cores. Ouvindo falar de Jamaica, reggae, cabelos despenteados, chinelos de pés sujos, preferencialmente. Palavras de ordem organizam o descontentamento: "não fique aí parado" dizem os jovens a atônitos civis, recolhidos depois da derrota, tentando juntar forças.


Sozinha, no ônibus lotado, vê pela janela da memória os beijos nos bares sujinhos, assembléias, reuniões para a revolução.


A camiseta vermelha chama a atenção. Um senhor com cara de anônimo se aproxima. Não vai descer na próxima parada, quer apenas dar um aviso.


– Para sua segurança, não use mais esta camiseta. E aponta para a cara redonda, barba perfeitamente não feita, com algumas palavras em espanhol logo abaixo. Algo sobre não perder a ternura. Jamais.

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